30 abril 2006

Mentalidade linchatória

Suponhamos o seguinte quadro: numa multidão de 200 pessoas alguém aponta A como responsável de um roubo. É previsível que uma parte das 199 pessoas restantes partilhe de imediato, sensorialmente, a acusação (vê o estigmatizado, está mais próxima dele, etc.) e que a outra seja arrastada à identificação por etapas de adesão um pouco mais lentas mas não menos imperativas e, no limite, também paroxísticas. O momento final é a identidade reactiva, a homogeneidade estigmatória, o clímax linchatório. O longo tempo de crise acumulada é percutido e exacerbado pelo tempo curto, sensorial, mimético, irreversível da decisão. Dificilmente alguém poderá pensar com equilíbrio numa situação dessas. A componente lógica de cada um de nós é imediatamente submersa pela componente instintual. Esta última hipostasia e nivela. Isso sucede não porque um instinto de massa preexista a cada um dos participantes, mas porque cada um partilha transubjectivamente a equivalência e as osmose feitas rapidamente entre a crise e o «responsável» encontrado. O linchamento é o resultado agregado das identificações individuais. Cada um de nós pode fazer a experiência da mentalidade linchatória num jogo de futebol, especialmente num jogo vital, sentando-se onde possa seguir o comportamento de um conjunto de adeptos de uma das equipas. Ou, então, assistir ao comício de um partido em período eleitoral.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ola, Carlos. Gostei muito do que escreveste. Nunca me tinha interrogado sobre esta necessidade de fazer mal a alguem,de repente, mesmo que esteja inocente.O teu diario e brilhante, prossegue por favor. Um abra,co.

Helena Almeida
Lisboa

Carlos Serra disse...

Helena: fico muito feliz com o que escreveste. Forte abraço...sociológico e anti-linchamento!