26 abril 2007

De salários rotos e despidos de futuro para o 1.º de Maio

"A rosa vermelha desapareceu./ Para onde foi é um mistério./Porque ao lado dos pobres combateu/Os ricos a expulsaram do seu império.” (Bertolt Brecht)

Uma vez mais, o ritual repete-se, na vizinhança do 1.º de Maio: na pessoa do seu presidente, Amós Matsinhe, a Organização dos Trabalhadores Moçambicanos ressurge para dizer que os trabalhadores sofrem com o magro salário que recebem.
Segundo Matsinhe, citado pelo "Notícias" de hoje, "o actual salário mínimo somente chega para cobrir metade das despesas básicas de uma família média, sem abranger os gastos com a Educação, Saúde e transportes."
Espera Matsinhe, como todos anos muitos esperam, que o problema possa ser resolvido na Comissão Consultiva de Trabalho, cujos trabalhos terão começado hoje.
Veremos, então, que após longas e laboriosa negociações, chegar-se-á a um acordo, com a fixação de um salário sempre mínimo, salário que, mal começar a ser pago, já terá sido ultrapassado pela subida em flecha dos preços de produtos de primeira necessidade.
Claro que o Capital apresentará razões que dirá serem decisivas para aumentar sem aumentar o salário mínimo.
E claro que o Estado, o maior empregador do país, tudo fará para que o salário mínimo seja mininamente aumentado sem que isso lhe traga grande transtornos.
O Estado não mais estará do lado dos trabalhadores. Do lado do Capital, sim, cada vez mais num mundo no qual o Capital exige um Estado cada vez mais mínimo e no qual os sindicatos perdem terreno muito rapidamente.
Lá por terras do Hotel Fairmont, na São Francisco americana, os capitalistas decidiram uma coisa nos anos 90: neste século ainda chegaremos a um ponto em que bastarão dois décimos da população activa para manter em actividade a economia mundial. O resto será dispensado. Como disse um deles, em fórmula bem à Hobbes, no futuro a questão será "to have lunch ou be lunch"*.
Enquanto isso, o "Notícias" de hoje avança com a seguinte informação a propósito dos festejos do 1.º de Maio na Praça da Independência: "Segundo apurámos, para efeito será instalado no local um grande hidráulico, vindo dos Estados Unidos, que alberga cerca de 80 toneladas de equipamento de som e luz e está equipada com uma tecnologia de ponta que permite a sua automontagem."
Se o objectivo for circense, no dia em que os trabalhadores desfilarem, uma vez mais, perante quem não lhes dará o salário mínimo mas que lhes encherá as cachimónias com veementes pregões de combate contra a pobreza absoluta, não tenho qualquer dúvida de que o espírito de Fairmont viajará dentro do hidráulico para dizer aos nossos trabalhadores - de salários rotos, despidos de futuro - as duas coisas que, diariamente, escutamos pela voz do povo nos sítios do povo: "não há crise" porque "não vale a pena".
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*Martin, Hans-Peter et Schumann Harald, Le piège de la mondialisation. Paris: SOLIN, 1997, pp. 12-13.

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